Abuso espiritual: entenda o que é, como identificar e onde buscar ajuda

abuso espiritual

Nos últimos anos, um tema delicado e muitas vezes silencioso começou a ganhar visibilidade nas redes sociais, rodas de conversa e, principalmente, nas ferramentas de busca: o abuso espiritual. De acordo com o Google Trends, o interesse por termos como “abusos em igrejas”, “manipulação religiosa” e “líderes espirituais tóxicos” vem crescendo de forma significativa. A busca por respostas tem um motivo: fiéis e ex  membros de grupos religiosos começam a romper o silêncio sobre experiências marcadas por controle emocional, medo e violação da fé.

O que é abuso espiritual?

Abuso espiritual ocorre quando líderes religiosos ou instituições utilizam sua autoridade para manipular, controlar ou explorar seguidores. Isso pode acontecer em qualquer crença — cristã, espírita, afro-brasileira, oriental ou nova era — e frequentemente se sustenta em discursos de salvação, castigo divino e obediência cega.

Para a psicóloga clínica Fabiana Moura, que atua com vítimas de violência religiosa, o abuso espiritual “cria uma prisão invisível onde a pessoa acredita que desobedecer ou questionar é sinônimo de pecado ou maldição. O medo espiritual paralisa e gera culpa, dificultando o rompimento com o ambiente abusivo”.

Relatos de quem viveu essas experiências ajudam a entender a profundidade do problema. Maria* (nome fictício), de 35 anos, conta que passou mais de uma década em uma igreja evangélica de linha pentecostal no interior de São Paulo. “O pastor dizia que tudo o que eu sofria era culpa minha. Quando tive depressão, disseram que era falta de fé. Cheguei a parar o tratamento médico porque ele dizia que era pecado confiar mais nos remédios do que em Deus”, relata. “Eu doava mais do que podia, trabalhava como voluntária em tempo integral, e ainda assim era humilhada publicamente no púlpito”.

Já Lucas*, de 29 anos, foi membro de uma comunidade esotérica que prometia “cura espiritual por meio de energia quântica”. “O líder me isolou da minha família e dizia que só ali eu estaria salvo. Quando comecei a questionar os pagamentos abusivos, fui expulso e ameaçado de ter minha ‘alma condenada’. Saí em frangalhos, sem dinheiro e com medo de tudo”.

 

Como identificar o abuso espiritual

Especialistas alertam para sinais como: imposição de regras rígidas e punitivas; isolamento social em nome da fé; exploração financeira sob pretextos divinos; restrição à liberdade de pensamento; uso do medo como ferramenta de controle; desvalorização da saúde mental e incentivo à desconfiança de médicos, psicólogos ou familiares.

“A pessoa deixa de confiar em si mesma e vive em função da vontade do líder espiritual. Isso é típico de relacionamentos abusivos, mas com uma roupagem religiosa que dificulta ainda mais a denúncia”, explica a antropóloga e pesquisadora de religiões comparadas, Helena Farias.

Vítimas de abuso espiritual frequentemente desenvolvem traumas complexos, com sintomas como ansiedade, depressão, culpa crônica, crises de pânico e sensação de desorientação existencial. A dificuldade de se reconectar com a espiritualidade ou confiar em outras pessoas pode se arrastar por anos. “Foi só na terapia que percebi que não era eu a errada. Que aquilo tudo foi manipulação”, diz Raquel*, 41, que hoje participa de um grupo de apoio a ex membros de seitas religiosas. “A fé é linda, mas quando vira arma, destrói”.

Onde e como buscar ajuda 

Denunciar ou pedir ajuda nem sempre é fácil, mas é possível. Diversas iniciativas vêm surgindo para acolher vítimas de abuso religioso e espiritual, como o grupo “Religião sem Abuso”, o Instituto Humanitas360 e fóruns online como o “Libertos pela Verdade”.

Também é possível buscar orientação jurídica gratuita na Defensoria Pública e atendimento psicológico em centros universitários, ONGs ou profissionais voluntários. Algumas igrejas, inclusive, estão abrindo espaços para discutir o tema e evitar que práticas abusivas se perpetuem.

A espiritualidade saudável deve promover liberdade, empatia e autonomia. Uma fé verdadeira é aquela que acolhe, não que aprisiona. “Fé que exige medo para ser seguida é controle, não espiritualidade”, resume a terapeuta Fabiana Moura.

Questionar práticas e líderes é sinal de maturidade e autoconhecimento. A liberdade religiosa é um direito constitucional, e isso inclui também o direito de sair de grupos ou crenças que violam a dignidade de seus membros.

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