Relacionamento abusivo: Amor não rima com dor

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Relacionamento abusivo nunca pode ser tolerado. Nunca.
Porém, às vezes, por amor, justificamos certas atitudes do outro:
– Ele estava alcoolizado, mas quando não bebe, é um homem bom.
– Ele é ciumento, falou na hora da raiva. Mas fora isso, ele me trata bem.
– Minha roupa estava inadequada mesmo. Ele teve motivos para me tratar mal.
E assim, muitas mulheres vivem relacionamentos abusivos, com maridos (ou namorados) que humilham, batem, expõem. E elas se sentem tão incapazes que tomam para si culpas que não tem.
Então, por algum tempo vivi com um homem “maravilhoso”: Romântico, doce, atencioso, não media esforços para me surpreender e agradar. Era cantor de uma banda de rock e me conquistou com poemas e palavras.
Bastaram alguns meses dormindo e acordando ao seu lado, para notar alguns comportamentos que mereciam atenção. Mas seus momentos bons me faziam ignorar tudo o que podia servir de alerta.
Ele deixou seu trabalho (além da banda) para ser meu parceiro em produção de shows e eventos, mas a impressão era que ele era o chefe. Sempre decidia com quem eu podia ou não estar. Agora sei que ele queria me vigiar.
Nosso costume desde o namoro era ir aos karaokês, onde ele sempre cantava as músicas que eu mais gostava. Entre uma canção e outra, um chopp, dois chopps, vários chopps depois e ele era outra pessoa. Logo acontecia uma discussão por ciúmes.
Um dia ele cismou que o homem sentado na mesa da frente estava se insinuando para mim. Respondi que era bobagem, coisa da cabeça dele. Que eu o amava e não tinha olhos para outra pessoa. Que o rapaz devia estar gostando de vê-lo cantar, afinal ele interpretava muito bem.
A resposta dele, entretanto, foi que eu estava fazendo-o de bobo e no microfone cantou uma música cujo refrão dizia “mãe é mãe, paca é paca, mulher é tudo vaca” (sic). Um relacionamento abusivo que antes só mostrava sua face em casa, começou a ser em todos os lugares.
Sua intenção foi me humilhar publicamente. E conseguiu: Constrangida paguei a conta e fui para o carro. Ele me seguiu aos gritos, rasgou a camiseta que vestia e levantou a mão em minha direção, como se fosse me bater.
Várias situações semelhantes aconteceram. A culpa era sempre do álcool. Não entendia que estava em um relacionamento abusivo.
Mesmo quando ainda não havia bebido, mesmo quando estava errado, eu procurava me lembrar de como ele era “calmo”.

As teias do relacionamento abusivo

Ele começou a ter ciúmes das pessoas para as quais trabalhava e até os colegas de banda. Vale lembrar que por causa dele três bandas acabaram, afinal, ninguém era bom o bastante para ele.
Passei a não me arrumar mais, não me maquiar, ganhei alguns quilos. Tudo para não chamar a atenção de ninguém para mim. Eu havia aceito que a culpada de tudo era eu. Ele dizia que eu não era confiável, que eu não merecia seu respeito. Mas eu acreditava.
Ele parou de trabalhar, porque eu “o havia adoecido, o deixado com esquizofrenia”. Eu acreditei. Por isso, me sentia a pessoa mais perversa e insensível do universo. Escrava da culpa.
Alguns dias ele me levava café da manhã na cama, me dava carinhos e escrevia poemas. Quando eu precisava sair, era um drama se ele não ia junto. Quando eu me voltava para as tarefas da casa, ele se tornava um algoz. Inspecionava a roupa, a arrumação da casa, o tempo todo me solicitando, exigindo, chamando minha atenção.
Até durante o banho ele se colocava ao meu lado, questionando com quem eu havia estado no dia, com quem conversei. Ele queria saber em detalhes sobre cada pessoa que eu havia estado em meu trabalho e cada conversa que tive em sua ausência.
E quando exausta caia na cama, ele se levantava para verificar meus históricos de conversa (ele tinha a senha de tudo). E se alguma frase dava margem para sua interpretação doentia… Ele corria me acordar e aos gritos pedia explicação.
Meu sono era assim, em sobressaltos. Minha vida, cerceada, vigiada: Relacionamento abusivo.
Ele virava a noite mandando mensagens se passando por mim para amigos e clientes, onde checava informações que eu havia dado e muitas vezes pedia que a pessoa se afastasse de mim. Perdi muitos trabalhos e amigos também.
Se eu não o “obedecia”, dizia que se ele fosse embora, nunca mais eu teria outro homem, por que era feia e gorda. Nem eu me reconhecia no espelho.

Eu não percebia que era a vítima

Muita gente tentou me avisar, me resgatar. Mas eu tinha medo que ele cometesse algum desatino.
Por duas vezes precisei viajar a trabalho – eu pagava todas as contas da casa enquanto ele passava o dia dormindo e no videogame – ele tomou remédios e sua tia o encontrou desacordado.
Para a família dele, eu era o problema. Eu estava transformando o “bom moço” em um homem descontrolado. A culpa era toda minha pelo temperamento explosivo dele, mesmo ele tendo sido daquela maneira pela vida toda. Além disso, se ele se suicidasse, eu seria processada. Havia até uma carta de “despedida” dele em poder da tia para me incriminar no caso do pior acontecer.
A tia que o defendia já havia apanhado dele, soube tempos depois quando recebi um e-mail da ex-namorada dele. Aliás, e-mail esse que recebi de forma cifrada. Ela quis se assegurar que era eu (e não ele) lendo, antes de falar qualquer coisa. E isso me fez crer que os traumas e feridas produzidos nela foram tão profundos quanto os meus. Os estragos emocionais eram semelhantes demais para ser coincidência. Eu então compreendi que era a vítima.
Precisei de muitas sessões de terapia para conseguir tomar uma atitude. Precisei me mudar de cidade para voltar a ter paz. Por um tempo me mantive fora das redes sociais. Mudei meu número do celular.
Parecia uma foragida, mas eu sempre fui a vítima de um relacionamento abusivo.
Eu havia me tornado um pássaro preso na gaiola emocional daquele homem e achava que voar era perigoso. Mas bastou o primeiro bater de asas para me lembrar quão incrível a vida é…

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