Não sou triste, louca ou má

Triste, louca ou má será qualificada ela

Triste, louca ou má. Um fato inconteste é que toda mulher é rotulada, classificada e comparada. Feito produto que se comercializa, toda mulher que não se subordina acaba sendo taxada de louca, má, depressiva.

 

Aquela que não se encaixa nos padrões estabelecidos ou enfiados goela abaixo é chamada de feminazi, de insuportável. Como se todas nós fossemos obrigadas a aceitar os padrões impostos, sob o risco de acabar na fogueira, estigmatizadas como as bruxas. “Seja gentil, seja cordial, aceite as cantadas como um costume masculino que segue por gerações”, eles dizem.
 
“Siga o padrão, faça tudo que esperam de você”. O homem já chegou à lua, mas continua com a mania de demarcar território. Primeiro ele joga seu charme, faz piadas de duplo sentido e aquele enredo todo “vai que cola”. Em seguida, começa a interromper a mulher, querendo mostrar que sabe mais do assunto (que ela pode ser especialista), do que ela mesma. Estudos mostram que, em geral, mulheres tendem a ter suas falas mais interrompidas do que os homens. O nome disso é manterrupting.
 
Eu olho absurdada quando uma mulher está falando e, no meio do assunto, é interrompida por um homem. Sem constrangimento e com confiança, o Simba na Pedra do Rei, passa a explicar para ela (sim, para ela!) e aos outros presentes o que ela estava explanando. Isso se chama mansplaining.
 

Triste, louca ou má será qualificada ela

 
Outro dia, em meio a uma reunião de trabalho com vários homens, somente eu de mulher, senti na pele as duas situações. Eu, a assessora de imprensa, explicava ao meu cliente em detalhes os compromissos do dia, todos anotados na agenda. Entretanto, dez minutos depois, ele foi confirmar minhas instruções com outro homem, que nem a agenda dele fazia.
 
Outra: Ora, estávamos a caminho de uma entrevista na TV, cheia de regras que eu havia recebido e passado em detalhes para ele um dia antes. Ele estava ciente sobre a vestimenta, horário que deveríamos chegar na emissora. Mas fui interrompida enquanto explicava a dinâmica do programa por outro homem da equipe, o cinegrafista  “que havia assistido pela internet o formato do programa”.
 
– Você pode retirar a máscara para a entrevista, enfatizei.
– Não, eu acho que estavam de máscara. Pelo menos a que eu vi. – respondeu o cinegrafista.
 
Além de falar, eu tinha em mãos o conteúdo impresso, todos esses detalhes. Fui ouvida? Não! O homem abriu seu celular e foi conferir no Youtube que eu tinha razão. Desculpou-se? Não! Se naquela hora eu insistisse em ser ouvida, seria chamada de louca, desequilibrada, “está na TPM”. Então me calei, dobrei os procedimentos, coloquei a agenda na bolsa e fui postar foto do caminho no Instagram.
Mais tarde, quando se deram conta que eu não participava mais da efusiva conversa deles, se calaram.
 
– Quantos blocos de entrevista, Fernanda?
– Se ninguém me interromper, eu termino as orientações.
– Pronto, ela se zangou. Deve estar na TPM.
 

A cultura e a sociedade com o pé no século passado

 
Triste, louca ou má será qualificada elaNão há nada de errado em ser mulher e profissional. E solteira. Ser mãe divorciada, e não estar aberta a propostas de cunho emocional. Nenhum problema. Aprendemos a rir quando recebemos aquelas falas maldosas, olhares fulminantes. Aprendemos a fingir que não entendemos. Então sorrimos e acenamos, como os pinguins do filme.
 
Nenhum homem é chamado de triste, louco ou mau por estar solteiro, por não ter filhos. A mulher sim. “Ela está nervosa por falta de sexo”, “Ela é triste porque não teve filhos”. “Ela terminou outro relacionamento, ela é louca”. Frequentemente a ex se torna a problemática. “Minha ex é louca, surtada, sacana”.
 
O homem pode exercer o papel que bem entender, pode olhar peitos e bundas à vontade. A mulher não. Se é discreta, é recalcada. Se é livre, é puta. Romper com esse comportamento que nos obrigam a seguir e está enraizado na cultura da sociedade vai doer, sempre dói. Sentir que você não se encaixa fere. E é sempre uma guerra não querer ser objetificada.
 
Ser desbravadora tem seu preço. Mudar é prazeroso, criar um caminho melhor para as mulheres que virão depois dá um orgulho imenso.
 
Um homem não te define
Sua casa não te define
Sua carne não te define
Você é seu próprio lar
 
Não estamos aqui para cumprir as expectativas da sociedade. Estamos para fazer desse espaço que nos cabe um lugar melhor. Não devemos aceitar alguém ao lado que queira se sobrepor, mandar, machucar, agredir. Antes só, sempre.
 
Eu não me vejo na palavra Fêmea: Alvo de caça
Conformada
vítima…    

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One Comment

  1. Guarda o que restou depois do fim - sobre um relacionamento abusivo - Anota, vai que esquece?

    […] Sim, sempre há algo errado, quando pensar no relacionamento não dá mais a sensação de borboletas no estômago, mas vertigem. Há homens que não são capazes de terminar um relacionamento. Eles preferem seguir uma estratégia para que as mulheres se sintam culpadas pelo fim da relação. […]

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